quinta-feira, 16 de junho de 2011
A Comunidade II
A comunidade será sempre uma expressão vazia de sentido se não a interiorizarmos. Porque mais importante do que vive-la no exterior será assumi-la no intimo. Então podemos dizer que antes de partirmos para a vida comunitária teremos de alcançar e realizar na alma o entendimento da partilha, da dádiva e do despojamento.
Os outros são os espelhos em que nos reflectimos. Pelo que a comunidade será sempre um lugar de paz ou de guerra, consoante aquilo que tivermos dentro de nós. Ora se é permitido ao homem vulgar a instituição da guerra e do conflito como norma de vida e conduta, ao discípulo só lhe é permitido semear a paz e o amor.
Por vezes temos dificuldade em lidar com a agressividade uns dos outros. Esta dificuldade dá-nos o motivo para recusarmos a partilha e para adiarmos a adesão àquilo que será talvez a única forma de realizarmos o nosso discipulado.
A comunidade (enquanto modelo) não é apenas uma solução para os Irmãos: é também a solução possível para a maioria dos problemas que os seres humanos tem vindo a enfrentar desde que a organização da “polis” se iniciou e que optamos por viver em sociedade.
Ao longo da história humana o modelo da vida comunitária tem prevalecido e tem demonstrado o seu valor. É por isso que os grupos espirituais e religiosos o escolheram e é também graças a ele que conseguiram resistir e prosperar, mesmo nas piores condições.
Quer os Essénios em pleno deserto, quer os padres do deserto recolhidos nas cavernas do Sinai, quer as comunidades ortodoxas do monte Athos na Grécia, quer as Igrejas protestantes ou católicas em África e na América Latina, quer ainda, mais perto de nós, o movimento Templário na Terra Santa ou o movimento Franciscano nos montes de Assis.
Em todos estes grupos verificou-se o mesmo: a partilha das suas vidas permitiu-lhes resistir e crescer.
Ainda hoje, a quase totalidade das organizações religiosas ou místicas, quer existam no Ocidente ou no Oriente, optam sistematicamente por organizarem a sua existência no modelo comunitário. Não é por acaso.
Também os aldeamentos ditos ecológicos, quer se façam em redor de filosofias ou apenas na preservação dos recursos ambientais, optaram por partilharem capacidades e bens segundo o ideal comunitário.
Na verdade, é-nos impossível descobrir de que forma podem os Irmãos realizar o seu destino individual e colectivo, se não o basearmos na definição magistral do Mestre de que a comunidade é lugar em que os ricos ajudam os pobres e em que os fortes protegem os fracos.
Estando aqui, nesta definição, a verdadeira diferença que opõe e separa a sociedade comum daquela que pretendemos construir.
Há Irmãos que defendem a ideia de que é possível viver espiritualmente e em simultâneo manter os modelos sociais existentes. É possível se pertencermos à classe dos que detém o poder, os bens, e por consequência a liberdade para deles usufruir. Mas para todos os outros, sobretudo para aqueles que consomem a maior parte das suas vidas a garantir a riqueza e privilégios da classe dirigente, só é possível a escravização e a perda progressiva das suas almas.
Na verdade, o mais estranho, o mais absurdo, não é a constatação que diariamente fazemos de que as nossas vidas não nos pertencem – o mais estranho é que o sabemos mas somos incapazes de romper as cadeias que nos mantém submissos. Como se a escravização dos corpos escondesse a das almas ou prolongasse esta.
Amarna, 2004
JC
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