quinta-feira, 16 de junho de 2011
Para lá da razão
A poucos meses da data indicada pelo Mestre para dar início à Comunidade dos Irmãos, confrontamo-nos com a eterna questão: seguir o Mestre, deixando tudo para trás, esquecendo responsabilidades sociais e humanas ou, ao contrário, tentar conciliar os deveres para com o Mestre com os deveres para com o mundo e as coisas do mundo?
Esta questão não é fácil nem simples. Por um lado temos o apelo da alma que se quer libertar das amarras do mundo. Por outro temos os deveres, ou aquilo que consideramos como tal, para nos recordarem que os compromissos assumidos não cessam pelo facto de voltarmos costas à cidade.
Postas as coisas deste modo, a solução parece impossível. E se-lo-á enquanto usarmos unicamente a ferramenta do raciocínio. É que pela lógica do mundo, e nós somos todos cidadãos do mundo, é absurdo trocar as facilidades, mesmo que ilusórias, daquilo que se tem, por algo que ainda não se tem nem se sabe se existirá algum dia.
A lógica do mundo é terrível, a prová-lo está a nossa indecisão. Pelo que nesta questão não podemos seguir unicamente pela via racional, temos de incluir aqui o princípio da fé. E a fé manda que tenhamos confiança no nosso destino, enquanto discípulos, que tenhamos confiança no Mestre, enquanto seus filhos, e que tenhamos confiança uns nos outros, pois que construir um projecto comunitário só é possível quando todos confiarem em todos e se amarem fraternalmente.
O princípio da fé, que não é de ordem racional, ultrapassa a dificuldade e coloca a questão num nível distinto. E a questão é: somos suficientemente corajosos para encarnar nesta época a missão de manter a chama da consciência acesa, ou não? Somos suficientemente corajosos para assumirmos a missão de levar a mensagem a todos aqueles que a quiserem ouvir, ou não? Somos suficientemente corajosos para acreditarmos que as forças que nos trouxeram ao mundo, hão-de continuar a velar por nós enquanto a nossa missão não estiver concluída, ou não? Tudo se passa neste nível.
Ao homem em cada um de nós, talvez seja legitimo expressar os receios quanto ao futuro: o que há de comer, o que há-de vestir, onde se há-de abrigar. Mas aquilo que é legitimo ao homem, por via do seu medo, talvez não seja legitimo ao discípulo, talvez seja uma traição ao seu Mestre.
Se o Mestre acreditou suficientemente nestes discípulos, porque havemos nós de descrer da sua fé? Ou será a razão do discípulo maior do que a consciência do Mestre? Se assim é estamos todos perdendo o nosso tempo e mais nos valia não estarmos aqui. Ao contrário, se houve alguma humildade quando batemos timidamente à porta do templo, então temos agora de dar o passo seguinte e contrapor a todos os obstáculos que o mundo entender inventar para nos deter, uma confiança total e absoluta naquele que a todos nos assumiu.
O primeiro dever do discípulo é seguir o Mestre. O segundo é confiar nas suas indicações. O terceiro é amar aqueles que o Mestre entendeu colocar à sua guarda. De onde deriva que nenhum dos irmãos estará isento de responsabilidades se algum se perder. Ou seja: somos responsáveis não apenas por nós, mas por todos os outros. E esta questão torna-se especialmente importante quando, daqui a alguns meses, uns vierem, porque tem condições para vir, e outros ficarem para trás, porque não as tem.
Pelo que a juntar a todas as questões aparentemente insolúveis, há ainda mais esta: somos uma unidade onde todas as partes são essenciais. Deste modo, querer construir uma comunidade, que na verdade é uma unidade de consciências, deixando de lado alguns, é não apenas um absurdo como uma impossibilidade. Se tentarmos ir por esse caminho, o que estaremos construindo não é mais que um ser inacabado.
Construiremos a comunidade quando nos juntarmos em redor da fé no Mestre, da obediência aos seus princípios, e no amor de uns pelos outros. Até lá projectaremos na parede baça do futuro as nossas intenções, que para uns serão mais claras e para outros mais obscuras, mas nada de fundamental estaremos construindo. Porque a verdadeira construção começa no espírito e termina na carne, começa na fé e termina na razão, começa no amor e termina na confiança. E sem fé e sem amor, a razão é apenas um obstáculo intransponível e o amor é apenas um egoísmo, mesmo que seja um egoísmo de muitos.
Por entendermos que esta questão continua em aberto nas vidas de todos os Irmãos e que para alguns é já uma ferida, em redor da qual sofrem e fazem sofrer, pareceu-nos oportuno reflectir. Não na tentativa ilusória de escamotear as dificuldades, que até são de todos, mas na ideia de que juntando a nossa reflexão à vossa, alguma luz pudesse penetrar no nosso nevoeiro.
Queira o Mestre esclarecer-nos a todos para, no silêncio da nossa alma, alcançarmos um patamar de onde possamos ver, não apenas as dificuldades, mas também alguma luz.
15 Dezembro 2000
JC
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