quinta-feira, 9 de junho de 2011
Partilha ou posse
De partilhar muitos tem medo! A ideia é revolucionária e contraria, na aparência, hábitos antigos de uso exclusivo. Educados desde o berço para possuir, entendemos com dificuldade esta ideia de não termos nada para termos tudo. E também ainda não percebemos que, como escreveu Agostinho: “não somos nós que temos as coisas, mas elas que nos tem a nós”. Na verdade basta olhar em volta: é um esforço sem fim para comprar e conservar o que se comprou.
Pensou-se durante muito tempo que a industrialização poderia reduzir o trabalho humano ou até acabar com ele. Poder poderia, mas era preciso que se quisesse. É que não basta por as máquinas a trabalhar para o homem: é preciso não por o homem a trabalhar para outros homens, é preciso cria-lo livre.
Tal como estamos, em pleno consumismo, somos educados para acreditar que é preciso produzir bens e fazê-lo até aos 60 anos, pelo menos. Ou seja, quando vamos para a reforma estamos velhos, doentes, e pouco ou nada interessados no lazer. Isto para os que produzem, autênticos escravos do sistema. Há depois os que não produzem mas vivem do esforço alheio: são poucos mas são eles que mandam, ou nós acreditamos que sim.
Antigamente era o feudalismo. Depois, porque a terra perdeu valor face à cidade e aos confortos que lá havia, criou-se a burguesia e desta chegou-se ao capitalismo. Agora estamos chegando à globalização que será uma forma mais anónima de gerir o poder sem dar a cara – uma espécie de absolutismo autocrático e despótico.
Por esse mundo fora manifestam-se as minorias: contra a guerra, contra a globalização da economia, contra os direitos absurdos de uns sobre os outros. E assiste-se à desumanização progressiva do mundo e à morte de milhões que tiveram o azar de nascer em África ou no Médio Oriente. Sabemos tudo isto, mas porque é de todos os dias, vivemos alheados e já nem pensamos.
Enquanto só lhes tocar a eles, compreendemos tudo. E pensamos, cada um para si próprio, que estas coisas só acontecem em África ou na Ásia, nunca na Europa, nunca aqui. Na verdade acontecem onde tem de acontecer, como na Argentina – e de repente é a bancarrota e o sistema faliu.
Os analistas referem, desde os anos 80, uma grave crise de estruturas a nível mundial. Talvez por isso cada grupo de países, organizados em blocos continentais, se juntou para fazer face à crise económica. É a razão do grupo europeu, ou asiático, ou americano, ou agora, e mais recentemente, africano.
Respostas à crise? Não é bem assim: tentativas de lhe passar ao lado, de a ignorar. Porque no fundo ninguém quer prescindir de coisa alguma, sobretudo quando toca a consumir. Todos querem a mesma solução: consumir o que é dos outros e não lhes dar nada em troca. É por isso que os Americanos agora fazem guerra onde dá jeito, e dá sempre jeito fazê-la onde está o petróleo, o gás natural, as riquezas.
No Fórum Mundial realizado no Brasil, os movimentos ecológicos, os grupos pela paz, e as organizações não governamentais, tem vindo a falar de outro tipo de soluções: falam sobretudo em partilha e em distribuição de riqueza. Mas a voz do Brasil (país onde 10% detém o poder económico e as assimetrias são gigantescas: veja-se o caso dos “sem terra”) ainda não teve eco no mundo. É que tardamos em perceber que a solução Americana, ou Europeia, tem os seus dias contados, e que fazer a guerra aos outros só leva a uma revolta surda que um dia há-de explodir.
Pela nossa parte acreditamos na libertação do homem e na ideia de que estamos vivendo a época em que é possível realizar a passagem entre a sociedade exploradora por troca com aquela que busque e implemente a criatividade e o lazer. E sonhamos que experiências como a das Comunidades alternativas possam vir a ser os balões de ensaio dessa nova sociedade.
Gostaríamos por isso de ver imperar o espírito da partilha em lugar da ideia da renda. É que temos alguma dificuldade em perceber que se possa partilhar a vida e depois não se consiga partilhar aquilo que tem menos valor nessa vida: os bens. Mas compreendemos que as ideias novas levam o seu tempo e que não se mudam mentalidades de repente. Preferimos pensar antes que a partilha da vida nos levará inevitavelmente a confiar uns nos outros, a juntar esforços, a cerrar fileiras, e um dia a partilhar os tais bens que afinal nem sequer são nossos, mas de todos os que vivem neste planeta.
Então poderemos ir pelo mundo e dizer a todos que encontrarmos, que existem lugares onde a vida não passa pela competição nem obriga à escravização. Pelo contrario, onde o que existe é esse sonho tornado verdade de haver comunidades onde a vida é gratuita.
E poderemos ainda falar do reino do quinto império e da idade do Espírito Santo, porque afinal a estamos vivendo. E poderemos convidar outros a partilhar connosco. E isto sim, é ser Irmão da Nova Era e é assumir esse sonho dos Mestres: de Comunidade ser lugar de partilha e de protecção do pobre pelo rico, do fraco pelo forte.
É isto que penso quando penso em Comunidades. Não penso em bens que afinal são a continuação do que temos por esse mundo fora, o tal sistema que faliu. Mas se tivermos de começar pelos bens para um dia chegar à partilha, pois comecemos.
Amarna, Verão de 2003
JC
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